Santiago uma Aldeia no Coração Serrano
Por Jorge M. Pinto dos Santos Silva
"Na Beira, todos somos primos"
"Seia é, pois, o centro da nossa deambulação..."
In Famílias de Seia - Dinâmicas Sociais em Terras de Sena
De Luís Pedroso de Lima Cabral de Oliveira
Não se pode falar de Santiago sem olharmos para o seu
enquadramento histórico, cuja primitiva ocupação humana do local da atual Seia
remonta à época pré-romana, quando da fundação de um povoado pelos Túrdulos,
por volta do século IV a.C., no lugar de Nogueira, situado entre os montes de
Santana e de Carvalha do Outeiro. Defendiam-no estrategicamente três castros,
mais pequenos, um em S. Romão, outro em Crestelo e o terceiro na atual Seia.
Quando os romanos se tornaram senhores do terreno, transferiram
então o mais importante castro, para a romana "Civitas Sena" a atual
Seia. Contra esta civilização se bateram heroicamente os Lusitanos comandados
por Viriato até à traição a soldo de Roma levada a cabo por três dos seus companheiros
e que conduziu à sua morte. Foi Seia posteriormente ocupada por Visigodos no
séc. V e Muçulmanos a partir do século VIII.
Podemos ainda hoje encontrar vestígios arqueológicos de
castros em Travancinha, Loriga e S. Romão. Quanto á presença romana na
freguesia temos a ponte na Folgosa do Salvador e a poucos metros podemos ver um
marco também romano e sobre o qual muito se especula, desde o poder assinalar
uma cheia no rio Sena até à hipótese de poder ser um marco miliário que servia
para assinalar as distâncias o que não nos parece já que esses marcos eram
cilíndricos ao contrário deste que é plano.
Devido à escassa migração existente na região desde sempre,
situação só alterada no séc. XIX e XX com o êxodo dos habitantes destas
paragens para as grandes cidades ou para o estrangeiro em busca de melhor
sorte, leva-nos à conclusão que descendemos muitos de nós daqueles antepassados
que desde o séc. IV A.C. e seguintes ocuparam a região. Pela mesma ordem de
ideias, as famílias do vale de Seia e áreas limítrofes acabaram por se unir muito
entre si ao longo dos anos daí a frase com que abro este trabalho: "Na
Beira, todos somos primos". "Seia é, pois, o centro da nossa
deambulação...".
A freguesia é constituída por quatro povoações: Santiago, a
sede – Maceira (que confina com a Vila Branca em Santiago, considerada o
Restelo de Seia, construída nos antigos terrenos da Quinta do Serrodelo em
Maceira, terrenos que iam desde a casa do seu proprietário o Sr. Capitão Carlos
Pinto dos Santos, tio avô deste que vos escreve estas linhas, hoje na posse da
família Galvão seus descendentes quinta essa que se perlongava até depois da
Nacional, mas há muito fragmentada) – Folgosa da Madalena e Folgosa do
Salvador. Povoações de grande antiguidade já que são todas elas mencionadas no
“Cadastro da População do Reino”, mandado efetuar por D. João III em 1527. A Folgosa
do Salvador era então o mais populoso lugar da atual freguesia com 29 fogos.
Seguiam-se-lhe Santiago com 27, Folgosa da Madalena, 22, e Maceira com 7. Maceira
já vem citada no “Tombo de Demarcação da Vila de S. Romão”, feito por D. Afonso
Henriques sendo pois a mais antigo povoado da nossa freguesia mas que
curiosamente, talvez por se encontrar geograficamente mais encravada, foi a que
menos cresceu situação só alterada nos últimos anos.
Santiago embora
não surja no Tombo de D. Afonso Henriques, é um povoado muito antigo e que
começa a ganhar alguma consistência habitacional no decurso do séc. XV e que
culmina com a elevação à categoria de paróquia em 1593.
Julga-se que o seu núcleo original se encontrava nas
imediações da igreja quer á frente desta quer na atual Rua de Baixo por onde se
fazia o caminho à época e onde até há uns anos podíamos encontrar algumas típicas
casas com cortes para os animais no piso térreo, ainda dos primórdios da
aldeia.
A Igreja paroquial de
Santiago assenta nos seus livros paroquiais os primeiros registos de batismo
e óbito em 1593, data da sua inicial construção. Prova física a assinalar essa
data é a existência de azulejos moçárabes de padrão geométrico do séc. XVI postos
a descoberto nas obras de restauro e que se encontravam tapados pelos retábulos
dos altares colaterais. É notório que a igreja sofreu inúmeras transformações
até chegar aos nossos dias sendo a sua conclusão já do início do Séc. XVIII
como atesta o Cruzeiro edificado para santificar o lugar então concluído, onde
se pode ler a data de 1702. Mas as suas inovações artísticas continuaram por
todo esse século como se atesta pela presença de elementos decorativos característicos
da talha de ‘Estilo Nacional’, como as colunas pseudo-salomónicas, as cabeças
de anjinhos, os pássaros, as parras de uvas e os arcos concêntricos no
retábulo-central.
Como se retira da página da aldeia em santiago-seia.com, “…a
nave apresenta uma profunda capela-mor precedida de um arco triunfal assinalado
a granito, com um crucifixo e uma sanefa pintada no topo. Também o teto da
capela-mor exibe pinturas decorativas, na forma de uma delicada composição de
festões e grinaldas. A igreja apresenta um retábulo- mor, dois retábulos
colaterais e três altares laterais. O retábulo principal, de planta côncava,
alberga no camarim um trono de quatro degraus, ornamentado a talha dourada, e a
imagem de Nossa Senhora de Fátima …”. Como curiosidade adicional os lustres e a
imagem central foram oferecidos por Balbina Pinto dos Santos Silva em Acção de
Graça por seu marido Amândio Pinto da Silva da casa dos Pintos em frente à
igreja ter sobrevivido às forças nazis quando fazia a travessia do Atlântico em
direção a Portugal, provindo do Brasil onde tinha negócios.
A casa do General
ficou assim conhecida devido ao nome de um seu morador e, pela arquitetura que
apresenta, diria ser da transição do séc. XVII para o XVIII. Mas conheçamos um
pouco a história deste velho casarão.
Trata-se arquitetónicamente de uma bela construção,
apresentando uma grande fila de janelas de sacada. Entre 1873 e 1890 Pinho Leal
publicava a obra Portugal Antigo e Moderno e referiu-se à casa como tendo ao
centro as armas da família Amaral colocadas no meio do edifício, família já à
época desaparecida. Prossegue dizendo que em frente ao edifício podíamos ver
por esses dias um terreiro coberto de carvalhos.
Já o Pe. Dr. J. Quelhas Bigotte na Monografia do Concelho de
Seia edição 1992 diz sobre esta casa: “Aquele solar de Santiago, de aspeto
imponente e severo, … esconde nos arcanos das suas salas decrépitas o terror
das lendas napoleónicas, gargalhadas ante o pavor dos habitantes daquela casa
nobre incendiada”.
Este edifício foi de facto incendiado pelos franceses em
1810 e só parte dele foi reconstruído. Aliás definindo uma mentalidade e
castigando uma geração, está no lugar da pedra de armas uma placa em mármore
que é antes do mais um valioso documento a recordar. O terreiro arborizado em
frente à casa a que se refere Pinho Leal prolongava-se pelo que é hoje a zona do
Café Cardoso embora nesta época o trânsito da aldeia já se fizesse
principalmente pelo que veio a ser a atual Av. General Lopes da Silva.
Voltando ao início e à forma como ficou esta casa conhecida
pela denominação que leva hoje, tal se deveu a um oficial do exército
português, nascido em Paranhos em 1896 e falecido em Lisboa em 1960. Tratou-se
do General Frederico da Costa Lopes da Silva, condecorado com as mais
importantes comendas da república e que chegou a Chefe do Estado-maior do
Exercito. A ligação a Santiago ficou a dever-se ao seu casamento com a
proprietária da casa o que lhe mereceu aquando da atribuição dos nomes das ruas
da aldeia nos anos 80 do séc. XX, ver o seu nome escolhido para a principal
artéria.
Solar da família
Ferrão Castelo Branco Moraram neste solar perto da igreja paroquial todos
os descendentes da família que dá nome à casa. O edifício encontra-se separado
por duas alas, uma claramente mais antiga e onde a encimar o arco do portão
vemos o brasão da família proprietária original, isto porque o ultimo fidalgo
desse ramo da casa foi André Ferrão Castelo Branco que já em segundas núpcias
casa com D. Maria da Conceição do Amaral Cardoso da Casa das Obras de Seia sendo
ela muito mais jovem, dizem que para lhe herdar os bens como sugere J. Quelhas
Bigotte no seu trabalho monográfico sobre Seia. Morre o fidalgo sem descendência
não contemplando a esposa no seu testamento na perspetiva deste autor, acabando
por legar a fortuna e o solar a quem não lhe estava ligado por qualquer vínculo,
o Visconde de Valdemouro.
Quelhas Bigotte, na sua já referida Monografia, refere que
Dona Maria da Conceição, a viúva supostamente deserdada, vem a casar com o novo
proprietário do solar o visconde Dr. Máximo Branco de Melo em 1915 e cuja
filha, figura ilustre da aldeia leva hoje o nome de uma das artérias de
Santiago, Dona Maria Joana de Melo do Amaral Cardoso que vem a casar com o Dr.
Custódio Patena nas mãos de cuja família permanece o solar até hoje. Porém,
Eduardo Osório Gonçalves na sua obra Raízes da Beira, refere que foram
encontrados no Arquivo Municipal de Seia, um testamento de André Ferrão que
contradiz o acima referido. Nesse documento de Agosto de 1880, estabelece o
testador, após se preocupar com o seu bem d’alma (como era hábito à época
deixava-se parte para missas por intenção) e com um legado a seu cunhado e
afilhado, institui como única e universal herdeira a sua mulher Dona Maria da
Conceição d’Albuquerque Ferrão.
Quando aqui deixaram de residir primeiro e, posteriormente
de passar férias (os seus então proprietários viviam em Moçambique), o imóvel
entrou em franca decadência, mas com a independência e regresso das colonias o Dr.
Victor Patena ordena a recuperação do seu imóvel, inclusive da parte central
que se encontrava destelhada e em completa ruina há já muitos anos.
Afonso Costa A
freguesia de Santiago está intimamente ligada ao grande vulto da república que
foi Afonso Costa, por muitos considerado como o homem que derrubou a monarquia
portuguesa e que foi durante a Primeira República (1910-1926) chefe do governo
por três vezes.
Nascido em Seia a 6 de Março de 1871, o seu batismo foi
celebrado na igreja de Santiago, depois de ter sido abandonado à porta de uma
moradora local em casa modesta já não existente que se situava no início da rua
que hoje leva o seu nome do lado de quem vinha do largo da Faia. Pode ler-se no
seu assento de batismo “No dia 7 de Março de 1871 foi batizado em Santiago uma
criança encontrada às nove horas da noite do dia 6, à porta de casa de Maria de
Jesus...” No bilhete que acompanhava a criança pedia-se que lhe fosse posto o
nome de Afonso Maria Ligório” nome dum bispo italiano do séc. XVIII canonizado
em 1839.
Recebeu, dos seus opositores, a alcunha de
"mata-frades", pela legislação laicista que mandou publicar - Lei da
Separação do Estado das Igrejas, expulsão dos jesuítas, registo civil em vez
dos registos nas igrejas, lei da família e lei do divórcio, privatização dos
bens da Igreja Católica, proibição das procissões fora do perímetros das
igrejas, proibição do uso das vestes talares (religiosas) fora dos templos, etc.
O estadista faleceu exilado em Paris a 11 de Maio de 1937.
Escola - Não sendo um monumento
nem uma casa de família tradicional, há porem um edifício na aldeia que pelo
marco indelével que deixou a todos os que por lá passaram não pode deixar aqui
de ser mencionado; falo da Escola Primária de Santiago, agora já mais pomposamente
chamada Escola Básica do 1.º Ciclo de Santiago (Seia) onde a aprendizagem se
misturava com as brincadeiras no pátio com uma vista deslumbrante sobre a
Serra. Uma homenagem que aqui não poderia deixar de prestar, que com certeza os
leitores um bocadinho menos jovens destas linhas me seguirão, é à professora
Palmira que ali ensinou toda uma vida.
Algumas datas que
marcaram Ao consultar os arquivos nacionais da Torre do Tombo um
acontecimento salta logo à vista e passa-se em 1735 ano em que Maria Marques
mesmo sendo uma Cristã-Velha, o que lhe conferia certo estatuto junto da igreja
por oposição aos Cristãos – Novos ou judeus convertidos, não se livrou de ser
acusada de feitiçaria. Era filha de João Gonçalves e Águeda Gomes e casada com
Francisco Fernandes, sapateiro. Apresentada ao Tribunal do Santo Oficio em
1730, presa em 1732, que proferiu o Auto de Fé que teve lugar a 24-07-1735 data
em que foi condenada à fogueira. Há dúvidas sobre o lugar da execução, se teria
sido no terreiro em frente à igreja de Santiago supondo-se que na época era
maior pela ausência de algumas casas posteriormente construídas, se no de
Maceira onde tinha ligações relacionadas com as ditas práticas de feitiçaria ou
em Seia onde funcionava o Tribunal do Santo Oficio local.
Outra importante data que já foi mencionada tem a ver com as
invasões francesas. Decorria o mês de Julho de 1810, quando vindo da Cidade
Rodrigo, Massena atacou pela primeira vez a Vila de Almeida, mas, só a 15 de
Setembro se deu a invasão em massa. Chegando a Celorico da Beira atravessa a 16
de Setembro o Mondego e dirige-se a Sul. Já nas imediações de Santiago pilham e
incendeiam o solar da Quinta da Bica em Santa Comba de Seia, a antiga igreja
matriz de origem românica em Seia também é destruída e em Santiago a casa dos
Amarais, futuramente casa do General Lopes da Silva também é pilhada e
incendiada. A Casa das Obras, denominação atribuída às obras constantes de
reconstrução, remodelação e conservação a que foi submetido desde a sua
(demorada) edificação, que então pertencia à família Albuquerque e Câmara
Municipal desde 1919, é cedida para quartel-general das forças aliadas
comandadas pelo General e futuro Duque de Wellington que a ocupa
temporariamente, é incendiada pelas tropas invasoras em retirada.
De salientar
que esta 3ª invasão foi particularmente violenta quer em termos humanos onde se
perderam milhares de vidas militares e civis, quer em termos patrimoniais.
Neste campo palácios, solares e igrejas, nada escapou à fúria napoleónica e,
quando possível, nada do que valia a pena pilhar ficou sem que nunca tivesse
regressado!
Boa ideia.
ResponderEliminarirei acompanhando e participarei se puder e se também se proporcionar.
Um abraço e boa sorte para o Blog.